quinta-feira, 2 de julho de 2009

Guinga e a música americana - pensando alto sobre a música estadounidense e um pouco sobre Michael Jackson

Lá pelos idos de 1999, quando estudava no Conservatório de Música Popular Brasileira (CMPB) de Curitiba, o Guinga foi chamado para dar uma espécie de palestra no auditório do Conservatório, falando de sua carreira enquanto o mediador lhe fazia perguntas. Quando abriram espaço para a platéia fazer perguntas alguém, num tom fervoroso, lhe perguntou o que ele achava da mídia brasileira, visto que essa não abria o devido espaço para a música popular nacional que é a melhor música popular do mundo (palavras que ele usou). A platéia formada por professores e alunos do conservatório e, portanto, de pesquisadores da música brasileira, pareciam já saber a resposta do Guinga: certamente, iria se somar ao cânone dos defensores da MPB que dizem que um país que tem Tom Jobim, Pixinguinha, Radamés Gnattali, Chico Buarque, etc, tem que valorizar a sua produção que é de excelência... No entanto, Guinga se aproximou do microfone lentamente, como quem pensa se realmente deve dizer o que está pensando, e diz “olha, eu não acho que a melhor música popular do mundo seja a brasileira. Pra mim, a melhor música popular do mundo é a americana” (se referindo à música dos EUA). A platéia veio abaixo e foi necessário quase um minuto para que cessasse o burburinho que tomou conta do auditório. Não me lembro os argumentos que o Guinga usou naquela época para defender sua posição. Só sei que aquilo, aquela opinião jogada naquele contexto me marcou profundamente e, por um tempo, comecei a olhar o Guinga como um cara que não conhecia tanto a MPB como eu pensava (o que é provavelmente uma das afirmações mais falsas que se pode fazer) mas hoje, apesar de achar muito problemático tentar eleger a melhor música popular do mundo, acho que entendo o que o Guinga quis dizer.

Não dá pra desconsiderarmos o fato de que a indústria fonografia dos EUA (o país mais influente economica e politicamente do século XX e XXI, há que se considerar) é aquela que mais vende em escala global e que mais exerce influência (política) sobre o que se toca nas rádios ao longo do planeta. Por isso, podemos dizer que suas estratégias de vendas são minimamente bem-sucedidas mas não podemos esquecer que mesmo a melhor estratégia de marketing do mundo é incapaz de fazer uma venda razoável de gelo para esquimós. Nós compramos aquilo que nos serve, que nos faz sentido, que nos mobiliza de alguma forma (apesar dos protestos dos que defendem que o consumidor é mais alienado que uma pedra). Nesse sentido, não há como negar que a indústria do entretenimento estadounidense é extremamente madura e articulada, principalmente se considerarmos empresas como a Sony e a Warner que atuam nas mais diferentes mídias como a TV, o cinema, música, etc.

Desde o início daquilo que entendemos hoje como mercado de entretenimento, a partir do advento do gramofone e do cinema, é espantoso constatar a habilidade que o país teve em formar performers. Utilizo o termo performer porque em se tratando dos artistas norte-americanos, principalmente a partir do cinema falado e a conseqüente projeção dos musicais, os termos ator, dançarino e cantor não dão conta de descrever artistas como Fred Astaire, Frank Sinatra, Marilyn Monroe, Elvis Presley, pra ficarmos com muito poucos exemplos. Ainda hoje essa característica se impõe ao observarmos Michael Jackson, Madona, Jenifer Lopes, Britney Spears ou mesmo produções como High School Musical onde o elemento música está tão articulado com a dança e a interpretação a ponto de não sabermos mais eleger o que é o principal. A indústria de entretenimento americana foi e ainda é, em grande parte, muito bem sucedida em fazer com que seus artistas circulem pelas mais diferentes mídias como o disco, o filme, artigos para colecionadores, etc.

(É verdade também que essa era uma tendência global nas primeiras décadas do cinema falado. Artistas tupiniquins como Grande Otelo, Carmem Mitanda, entre outros também tiveram muitas oportunidades de demonstrarem seu potencial como performers (principalmente nos tempos da Atlântida) mas imagine só se um cantor como Orlando Silva e Cauby Peixoto que simplesmente arrastavam multidões ao longo do país teriam sido tão pouco explorados pelo cinema se estivessem amparados por uma indústria do porte da norte-americana. Hoje no Brasil, o que pode ser comparado aos performers norte-americanos são as cantoras baianas como Ivete Sangalo, Margarete Menezes, entre outras)


Não bastasse seu evidente sucesso em promover os artistas e fazer com que seus nomes tornem-se verdadeiras marcas que agregam valor a qualquer evento que participem (desde uma festa até uma temporada de espetáculos ou um filme), a indústria fonográfica daquele país, consciente de que não se vende qualquer coisa a qualquer um (se você discorda, pega uma caneta e compõe um sucesso aí), criou verdadeiros centros de produção de canções. Esses eram formados por grandes compositores como Cole Porter, Gershwin, entre outros, (ligados às mais importantes gravadoras da época) que eram simplesmente responsáveis por preencher os Top Hits nacionais. Não sou um profundo conhecedor do Great American Songbook (ou GAS, uma espécie de compilação das canções mais conhecidas) mas, do que conheço, me impressiona o quanto as partes da música (forma, em termos técnicos) são muito bem definidas (número de compassos, relações de oposição, etc) e como tendem a sugerir um crescendo a partir de motivos melódicos pouco marcantes num desenvolvimento coerente (muitas vezes passando por uma espécie de ponte que ou faz oposição ao primeiro tema ou é a novidade que mantém a atenção do ouvinte após muitas repetições) até um refrão muito marcante, quando há (ver Man in the mirror com Michael Jackson, Dream a little dream of me com The mamas and the papas, New York, New York com Frank Sinatra). Em outros casos, canções estruturalmente pouco marcantes se mostram simplesmente arrebatadoras por força da interpretação extremamente inteligente de grandes performers e da maturidade dos arranjadores e instrumentistas (ver You are so beaultiful de Joe Cocker, Hot Pants (I’m Coming, I’m coming) de Bobby Bird). Em outras palavras, me parece que existe uma forma canção muito característica. Uma espécie de clichê suficientemente amplo a ponto de não fazer com que as músicas soem semelhantes e restrito o suficiente para manter coerência.

É evidente que tudo o que digo acima é extremamente questionável. Trabalhar com generalizações é sempre muito controverso (tem muita coisa diferente dentro desse balaio que chamei de música popular dos EUA) e é óbvio que é a leitura de um cara que desde criança convive com a música americana (ou do que chegou dela até mim) falando de manifestações da cultura popular do ocidente cristão, entre outros problemas mas o que pretendo demonstrar é que os EUA se mostrou um terreno extremamente fértil para promover e gerar grandes compositores e, sobretudo, performers (graças também à forte tradição ligada ao canto, como se manifesta no grande número de grupos vocais, corais gospel, barbershop, etc). E isso é muito diferente de dizer que não há grandes performers em todos os cantos do planeta ou que os demais não tem capacidade para tanto. Só quer dizer que lá haviam questões culturais, políticas e econômicas que favoreceram a formação e promoção de um número muito grande de performers, como não vejo em outras culturas do cenário pop.

Michael Jackson e a cultura pop americana

A noção de performer na cultura pop norte americana tal como apresentada aqui (entendida como um artista que não se limita a cantar ou tocar um instrumento, ou dançar, ou atuar, ou saber promover sua imagem, etc) se levada ao limite podemos chamar de Michael Jackson. Atuando com seus irmãos no grupo Jackson Five desde os cinco anos de idade, aos dez já conhecia praticamente todos os passos de James Brown e cantava de maneira espantosa, como podemos ver (ouvir, nem tanto) no vídeo abaixo que registra o teste que os Jackson Five fizeram para gravar na Motown em 1968;